Para proteger patrocinadores da Copa, entidade máxima do futebol compra briga com comércio informal da África do Sul e desperta a ira de pequenos e médios empresários
Por Yan Boechat e Rodrigo Cardoso, enviados especiais à África do Sul
A eliminação dos Bafana Bafana ainda na fase de grupos da Copa do Mundo não foi a única frustração enfrentada pelos sul-africanos neste Mundial. Dezenas de milhares de vendedores informais, pequenos comerciantes e mesmo empresas de médio porte estão vendo desaparecer as esperanças de lucrar com o maior evento esportivo do mundo simplesmente por conta das duras restrições impostas pela Fifa a todos aqueles que não são seus patrocinadores.
Na última semana, o sentimento de revolta pelo que muitos consideram uma interferência além dos limites da Federação Internacional de Futebol cresceu em todo o país. Nas ruas da Cidade do Cabo, camisas com a inscrição Fick Fufa – um trocadilho que soa como um xingamento, algo como “f... Fifa”– estão sendo vendidas aos milhares.
A ex-chefe do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, Mary Robinson, afirmou que a Fifa deveria ser responsabilizada pelo prejuízo que milhares de vendedores de rua estão tendo graças à restrição de comércio imposta pela entidade.
“Essa é uma questão de direitos humanos”, afirmou Robinson. “A Fifa não pode só pensar em seus patrocinadores, mas deve acima de tudo respeitar as pessoas que vivem no país onde o evento é realizado, especialmente se este país estiver em desenvolvimento.”
Revolta: ambulante perto do estádio e o movimento de protesto "Fick Fufa": Fifa impõe restrições ao
comércio informal e arranja confusão com setor que responde por 10% do PIB da África do Sul
Com um faturamento anual que supera a casa do US$ 1 bilhão, a Fifa tem se mostrado fiel a seus parceiros. A federação, que está registrada na Suíça como uma organização sem fins lucrativos, tem sido extremamente rigorosa com qualquer empresa que tente faturar em cima da Copa do Mundo.
Os mais atingidos nessa batalha têm sido os pequenos comerciantes, que esperavam lucrar com os jogos. O estádio da abertura e da final da Copa do Mundo, o Soccer City, fica no bairro de Soweto que, apesar de não ser mais uma favela, ainda guarda uma grande população de baixa renda.
"Se eu instalar uma tevê na calçada e vender cerveja, terei minha licença cassada", disse Felicity Gnano, dona de um pequeno comércio em Johannesburgo
Por determinação da entidade, ninguém pode vender absolutamente nada dentro de um raio de mais de um quilômetro do estádio. “Nós queremos levar essa discussão aos mais altos escalões para que situações como essas não se repitam na Copa de 2014 nem nas Olimpíadas de 2012”, afirmou Mary Robinson.
Pelas estatísticas sul-africanas, quase 10% do PIB do país está baseado na economia informal, basicamente nos vendedores de rua. Hoje, de acordo com dados oficiais, o desemprego é de 25% na África do Sul.
Extraoficialmente, há quem considere que 40% dos sul-africanos estão desempregados. “A Fifa precisa recompensar essas pessoas, que investiram suas vidas comprando produtos para vender perto dos estádios e que descobriram as proibições às vésperas do Mundial”, afirma Pat Horn, diretor da StreetNet, organização não governamental que trabalha com vendedores de rua na África do Sul. “Ao menos 100 mil pessoas tiveram prejuízos nessa Copa”, diz.
A Fifa tem justificativas para proibir os comerciantes ambulantes. De acordo com a entidade, a área de exclusão é feita para manter a segurança em torno dos estádios. A organização, no entanto, não se manifesta sobre as proibições impostas aos lojistas que estão nas proximidades dos estádios ou mesmo nas chamadas Fan Fests, áreas onde telões exibem os jogos.
Nenhum comerciante que já esteja instalado ao redor das Fan Fests tem permissão para ampliar seu negócio. “Eles foram claros: se instalarmos uma tevê, se decidirmos vender uma lata de cerveja, nossa licença será cassada”, diz Felicity Gnano, dona de uma livraria em frente a uma Fan Fest em Johannesburgo.
“Eu queria fazer o que sempre faço nos lançamentos dos livros: colocar uma tenda na calçada, com mesas, e servir bebidas”, diz ela. Mas, para isso, ela teria que comprar uma licença especial da Fifa.
“Cobraram US$ 12 mil, mas o valor é impossível para nós que somos pequenos.” Há quem esteja conseguindo encontrar brechas nas duras regras impostas pela Fifa para lucrar com o Mundial sem precisar pagar por isso. A Kulula, uma companhia aérea sul-africana, iniciou uma agressiva campanha de marketing tratando do assunto com bom humor.
O primeiro comercial da empresa dizia que ela era “a companhia aérea não oficial daquele evento que você sabe qual é”. A brincadeira funcionou. “Não queríamos quebrar as regras, mas mesmo assim a Fifa ameaçou nos processar pelo fato de termos colocado bolas de futebol e vuvuzelas em nossas campanhas”, disse Nadime Damen, diretora de marketing da companhia.
“Ficamos surpresos, não imaginávamos que eles atacariam uma empresa local que não estava usando nem o nome do evento.” A Kulula, no entanto, não se intimidou. Animada com a repercussão que a história teve, tratou de criar outros anúncios.
Na propaganda seguinte, dizia que a companhia oferecia voos mais baratos para “aquela coisa que não aconteceu na África do Sul no ano passado nem vai acontecer no próximo ano”. Em outra campanha, prometeu passagens gratuitas a todos aqueles que se chamassem Stepp Blatter, o nome do presidente da Fifa.
“Um homem disse que seu cachorro se chamava Stepp Blatter e que nós não havíamos especificado que era necessário ser um humano”, diz Damen. “Adoramos a ideia e demos passagens grátis para o cachorro e para o dono durante toda a Copa.”
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